Goiabeiras e castanheiras

vídeo em que a pastora Damares conta ter visto Jesus subir no pé de goiaba viralizou e virou meme. Não é para menos. O mais grave, porém, é que o histrionismo da futura ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, se coaduna com denúncias e propostas igualmente descabidas – como a defesa do estatuto do nascituro e o combate ao suposto “infanticídio indígena”. Sobre o massacre de indígenas e jovens negros, feminicídio e violência contra as mulheres – esses, sim, problemas bem reais no Brasil – ela nada disse.

Na mesma semana em que a pastora defendia que as mulheres grávidas de estupro abrissem mão do direito legal ao aborto em troca de uma bolsa do Estado, não se ouviu dela uma palavra sobre o assassinato de Marielle – ao que tudo indica, por milicianos, que também ameaçaram Marcelo Freixo. Com a Funai embaixo do braço, embora a ONG por ela fundada seja alvo de ações do MPF por discriminação e crime contra indígenas, Damares não explicou como pretende interromper o genocídio dos Guarani-Kaiowaa, que ainda ontem assistiram à prisão do indígena Leonardo de Souza, por ter reagido depois que seu filho foi assassinado.

Sobre o agravamento de conflitos  com o anunciado fim das demarcações estabelecidas pela Constituição, limitou-se a afirmar – “Índio não é só terra” -, contrariando o que dizem os próprios indígenas sobre a ligação entre sua cultura e o território que habitam e preservam. No Mato Grosso, por exemplo, só 5% do desmatamento ocorre em terras indígenas – enquanto 83% se dá em imóveis rurais privados. Nada que tire o sono do futuro ministro do Meio Ambiente, ele próprio alvo de investigação por fraude ambiental.

No período da campanha eleitoral, quando os discursos contra os indígenas e o meio ambiente se disseminaram, o desmatamento na Amazônia subiu 48,8% em relação ao mesmo espaço de tempo (agosto a outubro) do ano passado. “No sul do Amazonas, até mesmo castanhais foram derrubados e queimados, dentro de terras da União”, contou Beto Marubo, da União dos Indígenas do Vale do Javari (AM), em artigo na Folha de S. Paulo. “Quem corta castanhais revela pressa e desconhecimento da floresta que está destruindo”, ensinou.

Talvez, em vez de nomear para a Funai “alguém que ama desesperadamente os índios”, como prometeu Damares, fosse mais produtivo nomear alguém capaz de ouvi-los. Ou teremos que esperar que, dessa vez, Jesus apareça para a ministra no alto de uma castanheira, impedindo que árvores e homens continuem a morrer pelas mãos dos que cobiçam suas terras, munidos de balas, bois e bíblias.

Marina Amaral, codiretora da Agência Pública

Fonte: Agência Pública

Foto: Poder 360