A ilusão da “melhor idade”

A expressão Terceira Idade, foi criada pela Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas- COBAP para agradar seus associados, todos com idade superior aos 60 anos.

Já a expressão “melhor idade” começou a ser usada, na década de 80, por um grupo de psicologia da PUC/SP, para atrair pacientes que não aceitavam a denominação de idosos ou velhos, impressos nos cartazes. Daí, para a expressão ganhar projeção nacional, foi um passo. Mas cá prá nós, embora a intenção tenha sido das melhores, a mim a expressão soa como uma mentira, uma verdadeira falácia. Melhor idade para quem cara pálida?

É bem verdade que não temos mais aqueles questionamentos juvenis: Quem sou? Para onde vou? Está tudo claro e definido. O mundo não é mais uma incógnita ele agora é cheio de certezas: o que eu quero, o que eu gosto, de quem eu gosto ou desgosto. Também passei a não dar mais a mínima se gostam ou não gostam de mim. Ah esta segurança que a maturidade nos trás não tem preço, mas daí a melhor idade, me poupe.

A primeira vez que o atendente da padaria me perguntou: A senhora vai querer o que? Olhei para trás para ver a quem ele se dirigia, quando percebi que era comigo, corei. Eu que me sentia, então, lá pelos meus quarenta e tantos, uma guria.

Logo começaram a chegar os primeiros fios de cabelos brancos, um charme inicial que foi se alastrando como erva daninha em minha vasta cabeleira, comecei com aplicação de hena para disfarçar, depois veio a tintura e agora são as luzes, confirmando aquela explicação que as mulheres não envelhecem, “elas ficam loiras”

A seguir, em minhas pernas sedosas e macias, apareceram varizes – salientes e doloridas, o médico recomendou cirurgia e o uso contínuo de umas meias horrorosas, que me deixaram parecendo a boneca da dança do “Mamulengo das Alagoas”.

Depois das varizes apareceram as primas todas: celulite, flacidez, pálpebra caída e com a menopausa, depois dos fogachos, a “maledetta”[1], secura vaginal e o sexo, além de escasso – a libido diminui com a redução hormonal – passa a ser dolorido.

Mas não se desesperem, a farmacologia moderna tem remédio para quase tudo. Como comprimidos mágicos, que garantem uma dose diária de alto astral, com efeitos colaterais, é claro, que vão do esquecimento a demência. Mas não se assombre! Afinal você está na melhor idade!

Parece que nossa sociedade tenta “dourar a pílula” e vai trocando expressões: velho por idoso e a velhice que primeiro era chamada de “terceira idade” agora passou a ser a “melhor idade”, ninguém quer ser velho em uma sociedade que cultua e endeusa o novo. Talvez por isso passamos a encontrar velhinhas repuxadas e deformadas por cirurgias plásticas horrorosas, outras com roupas juvenis, coladas como uma segunda pele envelhecida, cheguei encontrar uma senhora beirando os 70, com “fuxicos”[2] coloridos na cabeça. Meu Deus! Envelheçam com dignidade. A adolescência passou minhas caras!

“Melhor idade” para nos cobrarem preços exorbitantes por planos de saúdes, para os médicos nos entupirem de medicamentos passando pela pressão alta, diabetes, gota, ansiedade e depressão.

Eu e meu marido fomos a um restaurante outro dia. Foi cômico a escolha do cardápio. Pensei em frutos do mar ou camarão. Ele tem gota, eu diabetes. Descartamos o camarão, a picanha, o vinho, a sobremesa. Melhor ir para casa tomar um caldo com legumes, mas sem repolho, que ataca os gases. E brindar com uma taça de suco de uva orgânico! Cigarros não mais, de nenhuma espécie!

Mas, amigas, cá estamos nós. Celebrando a vida! Sobreviventes ao tempo e as mudanças que ele nos traz, mental e fisicamente. Amamos e fomos amadas, vivemos a época louca do “sexo, drogas e rock-in-roll”, onde se experimentava todas as drogas e ninguém era de ninguém.

Do “proibido proibir”, levantamos bandeiras, lutamos por igualdade de direitos, pela democracia, vimos amigos desaparecerem e muitos nunca mais voltaram. Como diz a canção “Os dias eram assim”. Mas mantivemos nossa sanidade e nossa alegria e o direito de envelhecer com dignidade, acreditando em nossas utopias.

Dançamos em frenéticos Dancing Days, nos embriagamos com cuba libre, ouvindo Bee Gees. Dançamos de rosto colado em discotecas, que deixavam o branco das roupas, dos dentes e do gim com tônica, fluorescentes.

Melhor idade foi nossa juventude, cheia de planos e sonhos, onde a libido explodia a flor da pele e, a felicidade estava logo ali, quase ao alcance da mão.

A velhice trás certezas, conquistas, alegrias – e por que não, a sabedoria da maturidade. Por isso não precisamos o consolo destas palavras ocas e vazias com que tentam nos enganar.

Portanto, para esses marketeiros babacas e desonestos que criam expressões mentirosas e vazias, eu respondo com a rebeldia de minha juventude: Foda-se a melhor idade!

Me deixem com a dignidade de minha velhice que a cada dia fica mais perto da morte para a qual caminho inexoravelmente, sem mentiras ou falsas expectativas, com a serenidade de quem curtiu da melhor maneira, cada etapa da vida, sem slogans mentirosos ou falsas ilusões. Verdadeiramente.


[1] Amaldiçoada

[2] Flores artesanais



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