Críticas de Lula à Petrobras ecoam campanha de 2002

Em agosto de 2002, o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, escolheu centrar fogo em críticas à política de compras da Petrobras (SA:PETR4) no exterior na sua primeira aparição no horário eleitoral de rádio e TV. Com cerca de 42% das intenções de voto contra 26% do tucano José Serra, segundo o Datafolha do início da corrida eleitoral, o petista havia cobrado da Petrobras a construção de duas plataformas gigantes, a P-51 e a P-52, pela indústria nacional. À época, Lula já havia firmado a Carta ao Povo Brasileiro – um conjunto de compromissos do candidato com a responsabilidade fiscal.

Quase vinte anos depois, a mesma Petrobras está novamente no centro da disputa presidencial travada entre Lula e Jair Bolsonaro, que disputa a reeleição. Outra vez na condição de oposicionista e líder nas pesquisas, Lula começou o ano fustigando a política de paridade de preços da estatal sob Bolsonaro com o mercado internacional e a distribuição de dividendos aos acionistas da companhia. Em duas entrevistas nos últimos dias, Lula culpou o presidente pelas sucessivas altas dos preços dos combustíveis e do gás de cozinha.

Na sexta (28), Lula afirmou que não estava preocupado com o “acionista de Nova York” da estatal. Logo após a declaração, as ações da Petrobras tiveram uma queda de mais de 2% no pregão. Na quinta (3), ele voltou à carga contra a política de preços da companhia.

“Nós não vamos manter o preço da gasolina dolarizado. É importante que o acionista receba seus dividendos quando a Petrobras der lucro, mas eu não posso enriquecer o acionista e empobrecer a dona de casa que vai comprar um quilo de feijão e paga mais caro por causa da gasolina”, afirmou, em entrevista à rede de rádios RDR, do norte do Paraná.

Na campanha deste ano, Lula tem defendido que a estatal invista em refinarias para diminuir a dependência do país da importação de derivados de petróleo enquanto exporta óleo cru. A atual política, que vem desde o governo de Michel Temer, tem sido de desinvestimento em ativos que estejam fora do negócio principal, que é o de exploração e produção.

Em 2017, o ex-presidente foi condenado pelo então juiz Sergio Moro por corrupção e lavagem de dinheiro no âmbito da operação Lava Jato, que apurava pagamento de propinas por empreiteiras que tinham contratos com a estatal. A sentença foi confirmada em segunda instância e Lula passou 580 dias preso. No ano passado, o STF (Supremo Tribunal Federal) anulou a condenação de Lula e considerou Moro suspeito em processos envolvendo o petista.

POR QUE ISSO É IMPORTANTE

A volta da Petrobras ao discurso de Lula bate com o apurado pelas pesquisas eleitorais.

Diferentemente da eleição de 2018, ano da vitória de Jair Bolsonaro, as principais preocupações eram a saúde (22%) e a corrupção (20%). Agora, segundo o Datafolha publicado em dezembro, o desemprego (14%), a economia (12%) e a inflação (7%) – temas correlacionados – somam 33%, enquanto a saúde aparece com 24%.

Numa outra pesquisa realizada pelo Ipec (antigo Ibope), em novembro do ano passado, focada não em eleição mas na percepção sobre crise energética com 2.002 entrevistados em todo o país, apontou que 52% dos entrevistados considerou que a alta do gás foi a que mais afetou negativamente o custo de vida das famílias. No Nordeste, o índice chegou a 63%. No levantamento, 10% disseram ter trocado o gás de cozinha por lenha em algum momento dos últimos 12 meses e 6% afirmaram ter usado carvão para cozinhar alimentos.

Tratando especificamente de energia elétrica, segundo o Ipec, 47% dos entrevistados culparam o governo federal pelos aumentos na conta de luz.

NÃO HAVERÁ UMA NOVA CARTA AO POVO BRASILEIRO

Até agora, Lula tem buscado se posicionar mais ao centro nesta eleição. Lula tem dado sinalizações que agradaram o empresariado e a indústria financeira, que aderiram majoritariamente a Bolsonaro em 2018. O ex-presidente tem tentado passar a mensagem de moderação para se contrapor a Jair Bolsonaro.

O primeiro gesto contemporizador foi buscar o ex-tucano Geraldo Alckmin (sem partido), seu adversário em 2006, para compor a chapa como candidato a vice. O petista tem reiterado que um eventual governo seu terá alianças fora do campo de esquerda porque, segundo ele, a situação econômica e social do país está pior do que a de 2003.

O ex-presidente disse recentemente que não vê como “obstáculo” a autonomia do Banco Central e afirmou que pretende procurar Roberto Campos Neto, caso seja eleito novamente.

Por fim, a liderança ampla nas pesquisas tem permitido ao ex-presidente retardar a escolha ou o anúncio de nomes de uma eventual equipe econômica. O ex-ministro Guido Mantega, que assinou um artigo enviado à Folha de S.Paulo em janeiro sobre ideias econômicas do candidato, declarou na última semana que não vai fazer parte de um eventual novo governo do PT.

A ideia de editar uma nova versão de Carta ao Povo Brasileiro, comprometendo-se com o controle da inflação e disciplina fiscal, é considerada estapafúrdia pelo candidato. No ano passado, em sua primeira entrevista como pré-candidato, ele disse que seu legado “vale por 500 Cartas ao Povo Brasileiro”.

“Nós pegamos esse país com US$ 30 bilhões de dívida ao FMI, 12% de inflação, 12 milhões de desempregados e o Malan, que era um bom homem, tinha de ir todo final ano até Washington buscar dinheiro para fechar o caixa no Brasil”, disse o ex-presidente Lula, em outubro, afagando Pedro Malan, o ministro da Fazenda de Fernando Henrique Cardoso.

A REAÇÃO DE BOLSONARO:

A alta dos combustíveis virou a prioridade política no Palácio do Planalto. Aliados do presidente enxergam uma melhora na economia fundamental para as chances de Bolsonaro crescer eleitoralmente e chegar ao segundo turno contra Lula.

O governo – principalmente a equipe econômica de Paulo Guedes – resiste à possibilidade de intervenção nos preços da Petrobras. A saída encontrada até agora para tentar reduzir o preço do diesel e do gás de cozinha foi a elaboração de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) para reduzir impostos que incidem sobre os combustíveis.

A Casa Civil de Ciro Nogueira (PP-AL) e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) acertaram que a matéria deve mirar, além dos tributos federais, também em uma permissão para que os Estados também reduzam ICMS sobre combustíveis e gás até 2023 – ao que os governadores resistem.

A justificativa seria atenuar os efeitos da pandemia no orçamento das famílias. A desoneração não precisaria de compensação com corte de gastos ou identificação de uma nova fonte de receita, como manda a Lei de Responsabilidade Fiscal, e terá que apresentar apenas estimativa do impacto no orçamento, estar dentro da meta fiscal e constar na Lei Orçamentária Anual.

Enquanto técnicos do governo ainda discutiam os impactos dessas desonerações, no dia 3, o deputado Christino Áureo (PP-RJ), da base do governo na Câmara, apresentou uma PEC dos Combustíveis. Técnicos da Economia e das Minas e Energia deixaram vazar à imprensa que a proposta do deputado aliada não tinha sido discutida previamente nem tinha o aval do governo. O impacto seria de R$ 54 bilhões na arrecadação federal.

Os governadores são contrários à iniciativa de permitir redução do tributo estadual e veem a proposta como uma provocação em pleno ano eleitoral. O texto inclui a possibilidade de redução de alíquotas do IPI, IOF e Cide até 2023, que também vinha sendo discutido pelo governo.

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