A Reforma Previdenciária foi aprovada no Senado por 60 votos favoráveis e 19 contrários. Dia triste para o trabalhador brasileiro que a cada nova reforma vem perdendo direitos duramente conquistados ao longo dos séculos.
A imprensa comemorou a conquista como a final de um grande campeonato, aliada a um governo de extrema direita, ao mercado financeiro e a um Congresso Nacional servil.
O setor produtivo, o agronegócio e os grandes empresários, com o discurso de diminuir o número de desempregados em um país tão desigual, também comemoram a conquista.
A reforma trabalhista, no final do governo de Michel Temer, já havia sido extremamente danosa para o trabalhador. Retirou direitos e provocou uma grave inversão: de lei protetora dos trabalhadores tornou-se a Lei de proteção dos empresários.
Foram retiradas da jornada do trabalhador tempo para atividades como descanso, alimentação e higiene pessoal; o fim das horas extras; a nova lei permitiu até a possibilidade de que a mulher grávida trabalhe em local insalubre.
Essa retirada contínua de direitos dos trabalhadores e agora também dos aposentados me fez voltar a leitura de José Saramago, no livro “Levantando do chão” onde narra a história dos “Mau-Tempo” família de lavradores do Alentejo do início de século XX até a década de 1970, passando pela ditadura de Antônio Oliveira Salazar (1933-1974).
O livro revela as terríveis condições de trabalho no campo e suas mudanças ao longo do tempo – graças á luta política antifascista e dos trabalhadores por seus direitos, como carga horária de 8 horas e o direito ao descanso semanal, entre outros.
Para os que estão comemorando as novas regras para aposentadoria como a redução de direitos para trabalhadores rurais, que começam a trabalhar ainda crianças, destaco um trecho da saga da família Mau-Tempo.
“João-mau tempo não tem corpo para herói. É uma injustiça que se lhe faz obrigá-lo a levantar-se ainda noite fechada, andar meio a dormir e com estomago frouxo o pouco ou muito caminho que o separa do lugar de trabalho, e depois, até o sol posto retornar a casa morto de fadiga, se não for transe da morte. Mas esta criança, palavra só por comodidade usada, pois no latifúndio não se ordenam assim as populações. Tudo são vivos e basta, que os mortos é só enterrá-los, não é possível fazer trabalhar os mortos, esta criança é apenas uma entre milheiros, todas iguais, todas sofredoras, todas ignorantes do mal que fizeram para receber tal castigo.”
A Reforma da Previdência comemorada pela Imprensa, como fiel porta voz da elite diminuiu em 50% a pensão por morte de cônjuges e órfãos, o Senado, entretanto, garantiu que a pensão por morte nunca seja inferior a um salário mínimo, acrescido de 20% por filho menor de idade.
Na luta dos trabalhadores, Saramago detalha o sofrimento e privações daqueles homens e mulheres sob o domínio do latifúndio sem direito trabalhista algum: “O povo fez-se para viver sujo e esfomeado. Um povo que se lava é um povo que não trabalha, talvez nas cidades (….) É preciso que este bicho da terra seja bicho mesmo, que de manhã some a remela da noite á remela das noites, que o sujo das mãos, da cara, dos sovacos, das virilhas, dos pés, do buraco do corpo, seja o halo glorioso do trabalho no latifúndio, é preciso que o homem esteja abaixo do animal, que esse, para se limpar, lambe-se, é preciso que o homem se degrade para que não se respeite a si próprio, nem a seus próximos.”
Ao contrário da luta pela conquista de direitos da família Mau-Tempo, retratada pelo escritor português, na família Brasil o que se vê é silêncio e incredulidade em cada direito retirado, com a promessa de um futuro melhor. O projeto de retirada de direitos da classe trabalhadora vem sendo gestado há anos pelos mesmos representantes de antigos latifúndios, pelo chamado “setor produtivo” e por seus representantes no Congresso Nacional.
No livro Saramago descreve a classe dirigente de Portugal, daquela época, que em muito se assemelha a nossa elite dirigente, representada por repórteres e comentaristas eufóricos, comemorando em rede nacional a aprovação da Reforma Previdenciária.
“Madre de tetas grossas, para grandes e ávidas bocas, matriz, terra dividida do maior para o grande, ou mais de gosto ajuntada do grande para o maior, por compra dizemos ou aliança, ou de roubo esperto, ou crime estreme, herança dos avós e meu bom pai, em glória estejam. Levou séculos para chegar a isto, quem duvidará de que assim vai ficar até à consumação dos séculos? E esta outra gente quem é, solta e miúda, que veio com a terra, embora não registada na escritura, almas mortas, ou ainda vivas? A sabedoria de Deus, amados filhos, é infinita: aí está a terra e quem a há -de trabalhar, crescei e multiplicai- -vos. Crescei e multiplicai-me, diz o latifúndio.”
Com a reforma da Previdência do governo Bolsonaro as mulheres também foram prejudicadas. A idade mínima passa a ser 62 nos de idade e o tempo mínimo de contribuição sobe de 15 para 20 anos, mas para receber o benefício integral a contribuição terá que ser no mínimo por 40 anos.
Como diz Saramago “Um viver feito de palavras repetidas e de repetidos gestos….o trigo produz o mesmo som, como é que não se cansam os ouvidos destes homens e destas mulheres (….) é o caso também daquele pássaro rouco que vive nos sobreiros e, que grita quando lhe arrancam a pele, ou talvez sejam as penas, e o que fica a mostra é a carne eriçada e sofrida”.
A maioria dos parlamentares que aprovou a Reforma da Previdência não mexeram um milímetro em suas regalias, polpudos salários e aposentadorias precoces, já que o discurso é de que todos deveriam dar sua cota de contribuição para o bem do País, os militares também ficaram fora desta Proposta de Emenda Constitucional. Aqui nossos congressistas podem ser enquadrados na função de “feitor”, conforme o brilhante texto do escritor português.
O feitor é aquele que cumpre as ordens do patrão. “o feitor é o chicote que mete na ordem a canzoada. É um cão escolhido entre outros cães para morder os cães. Feitor é um criado, é uma espécie de mula humana, uma aberração, um judas, o que traiu os seus semelhantes a troco de mais poder e de algum pão de sobra.”
Reforma aprovada, muitos somente irão perceber seus malefícios na hora de se aposentarem. As futuras gerações pagarão esta conta que com o fim dos benefícios sociais aumentará ainda mais a desigualdade e a concentração de renda nas mãos dos herdeiros do latifúndio. Não há o que comemorar.
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